terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Abraço Vermelho

“Tinha terminado, então. Porque a gente, alguma coisa dentro da gente, sempre sabe exatamente quando termina - ela repetiu olhando-se bem nos olhos em frente ao espelho. Ou quando começa: certos sustos na boca do estômago. Como carrinho de montanha-russa, naquele momento lá no alto, justo antes de despencar em direção. Em direção a quê? Depois de subidas e descidas, em direção àquele insuportável ponto seco de agora.
(...)
Vermelhos - mais que vermelhos: rubros, escarlates, sanguíneos...” Caio Fernando A.

Um bom banho com água quente momentaneamente percorre sua cabeça, sangra por todo o corpo lentamente e escorre pelo ralo junto com a ansiedade que impregnava seu corpo. O ônibus lotado, no entanto, trata de dar-lhe de volta o suor e inquietação de que antes fugira, pregados como gosto de cerveja boa. Agora todo um mar, que nem um vento noturno-frio conseguiria secar.

Chega no andar primeiro da livraria amarela e como sempre vai pra sessão de cinema. Assiste livros, irrequieto. Envia uma mensagem para que ela fosse ao seu encontro. Sim, acredita nisso? Passara o tempo todo se escondendo, pintando quadros sem assinar, esperando a hora de vê-la sem ser visto e de repente... quis ser encontrado primeiro. Vai entender. Ela desceu as escadas, cada andar em um segundo (cada segundo uma gota de suor), e foi abraçá-lo. Ele estende os braços sorridentes e de repente a vergonha lhe dá um encontrão no ombro, daqueles de derrubar qualquer zagueiro central, tirando-o do caminho do abraço-mata-ansiedade. Ele abismado vê sua vergonha abraçá-la descaradamente, sem lhe dar satisfação. Que Safada! [A vergonha, não ela].

No entanto seguiram ao segundo andar, à segunda fala, ao segundo instante, aos segundos mornos da terça-feira literária. Hilda Hilst era quem ditava as ondas daquele mar noturno e silencioso, linda sacana e forte como sempre.

Recebera inesperadamente uma foto dela – não da Hilda - em papel de xerox (preto-e-branca, mas com ares coloridos) e sentara ao seu lado. Não conseguira falar muito, então fitou a foto. Encarava-a estática naquele papel e tentava se comunicar. Oi, tudo bem? O que achou? O silêncio dizia algo confuso, sempre duvidoso. O tempo passava e os não-olhares o sufocavam.

Ele olhava pros sapatinhos vermelho-ronquenrrou. Voltava para a foto. Olhava pros sapatos. Para os cadarços vermelhos. Olhou tanto que alcançou as meias. A alma ficou longe, lá no café expresso da mesa, que sorria pro frapuccino ao lado. Seria ele um ao vivo e outro no vidro? Saídas, banheiros e cigarros. Ele se esvaiu em fumaças prazerosas, loucas por novos abraços.

Tudo termina atrasado e ele vai ler uma poesia na parede. Parecia uma profecia que pós-via seu passado e previa seu futuro. Continha as palavras: Lua, noite, tristeza, ilusão, boêmios, sorrisos.

E tudo acabou assim, com detalhes que nem os benditos profetas da amizade conseguiriam enxergar: samba dançando com filmes, endereços escritos em textos, livros abraçados com cerveja, estórias acariciando orvalhos nos olhos, véus recaídos no chão barulhento, sorriso admirando outro sorriso. Igual, pois ambos eram de satisfação que não cabia mais no franzino bar.

E no fim do caminho – que tinha ares de começo -, despontava ainda um horizonte ameno e inexplorado, como a palma de uma mão estendida, com o dedo indicador vermelho-escarlate indo e voltando. Surge enfim, o primeiro abraço, longo e de olhos fechados, embriagados, que ainda o seguram neste exato momento. E pelo jeito Acho que não largarão. Nunquinha.

Um comentário:

Joice Nunes disse...

nunca palavras tão fortes chegaram- para mim- aos meus ouvidos.
são palavras fortes, mas você está me sussurrando todas elas em alto e bom som.
eu te escuto.
você me escuta.
acho tão bom as pessoas.
acho tão bom você.
esse abraço ainda está aqui.
não vou me desfazer dele.
nunquinha.