terça-feira, 14 de setembro de 2010

Terra molhada


Homing Ship. Foto de André Kertész, 1944.

O Barco é imantado para meus olhos e cérebro de ferro. Mesmo quando durmo, ele navega, invadindo o território de sonhos. É ele quem consegue atravessar esses dois mundos e atracar no inconsciente, de forma branda. Sem que eu perceba, ele está lá me sussurrando baixo para embarcar.
Por fora é bonito e forte, mas os botes salva-vidas me alertam que a segurança não é total, como nada na vida. Nada. É que às vezes flashs ingênuos nos passam a cabeça e fazem com que nos joguemos. Faz parte do jogo. Parte.
Temos listras vermelhas e brancas por todo o corpo, como ele já demonstrava em seu nome: alvirrubro. Algumas palavras assopram em meus ouvidos dizendo para não embarcar. Quando olho pros lados apenas espelhos me cumprimentam. Reflexos que me apontam o medo, o cuidado e um passo atrás. A imagem mais forte, no entanto, parece ser da poesia que se ocupa em minha mente. Ela parece carregar um espelho espesso e mais forte, erguido em frente à minha alma.
Então viajo e se for preciso levanto as velas, retiro a âncora cravada em meu corpo e tomo o leme em minhas mãos. Com medo, mas com vento. Vento que seca o suor de minha face como leves carinhos infantis e me impulsiona para a linha azul e tênue, entre o céu e o mar. O mar bravio incita tempestades seguidas de calmarias. Se ficasse apenas na terra nenhuma das duas coisas se apresentaria. Então, por mais que o barco balançasse e subisse em ondas enormes, carregando a espinha de calafrios, a calmaria se fazia em olhares. Em dedos e cabelos. Corpo inteiro.
Estarei preparado. Se cair, ao invés de procurar, desesperado, a superfície, mergulho e abro os olhos para aquele ambiente marinho e silencioso. Lá no fundo não piso a terra, mas acaricio-a com minhas mãos. Embebida em água salgada, passada, és mais doce e tenaz.

Escrito em 14 de Julho. Encontrado e finalizado hoje, 15 de setembro.