segunda-feira, 25 de junho de 2012

Maresia

Da varanda, sonhei que era criança. E sorria na praia sem os pequenos dentes da frente, despreocupado com outros olhos. O que me dava medo eram aquelas ondas que arrebentavam pertinho da areia e dos pés. Eu corria em zigue-zague tentando salvar das espumas o pequeno corpo seco. Mas sempre num certo momento jogava tudo que segurava em minhas mãos, fossem búzios, conchas ou plásticos, e adentrava de olhos fechados aquele caminho molhado. As mãos e o peito aberto para o salpicar daquela vontade. Apenas enganava o mar antes de abraçá-lo com gosto de entrega.

Bem longe daquele lugar uma pequena menina também se aventurava naquele grande pedaço azul. Morando à beira da praia, parecia que todos os dias ao dormir ela pegava ventos delicados de desejo. Eram aqueles mais azuis e fortes, que causavam calafrios. Aquilo tudo foi juntando-se nela como uma maresia ao corpo. Mas esta maresia que ela recebia pousava na pele e parecia emitir ressonâncias irreparáveis do lado de dentro. Ao mesmo tempo que ferrugem, seu peito pegou delicadeza. Acometeu-se de sensibilidade. Um toque no ombro era cuidado, qualquer mão nos cabelos era bem querer e todo abraço era entrega. Seus olhos pareciam abastecidos de todo aquele sal.

Sem saber que no mesmo atlântico lavavam seus rostos e mergulhavam seus sorrisos, em praias diferentes eles pegavam exatamente as mesmas ondas. E se abasteciam ao mesmo tempo em que deixavam a pele cada vez mais intensa e frágil para enfrentar o mundo.

Cresceram e mesmo vestidos nunca deixavam totalmente encobertas as marcas daquela pele frágil, sensibilidade latente. Então numa certa tarde, cruzaram corredores opostos. Ela com uma mochila pesada que nunca comportava todas as suas vontades e ele com os cabelos sempre assanhados, pois nunca fechava as janelas. Na noite seguinte, faziam parte da mesma multidão. Deslocavam-se e não se encontravam, apesar de atravessar os mesmos lugares e pararem para conversar e sorrir com as mesmas pessoas. Mas num breve momento, daqueles como suspiros, suas mãos deixaram-se tocar em meio a todas aquelas pessoas e ele inconscientemente levantou o dedo indicador, acariciando as costas das mãos daquela menina.

Aquele gesto bastou para perceberem a mesma maresia. Podiam remar em direções opostas, nadar contra a maré ou deixar-se levar por correntezas diferentes, mas essa maresia que carregavam no peito era a mesma e isso nunca mais iria separá-los, quaisquer que fossem os caminhos a seguir ou país em que escolhessem morar. Independente de território ou momentos iguais se encontrariam para sempre por ressonância, em acordes musicais. O lugar seria a pele e o tempo do peito reinaria. Forte feito maresia.