Éramos unha e carne. Mas de repente uma redoma de vidro te fechou, assim como um aquário encerra peixes sedentos de ar. Estávamos agora tão longe e tão perto, separados por um vidro preso-visitante – espesso como sangue coalhado – apenas sem o detalhe do telefone de palavras.
Sentia que você gritava, suas veias saltavam ao pescoço, assim como o suor-distância escorria por todo nosso corpo, irrequieto e trêmulo, em gotas de saudade encarcerada. Mas apenas o silêncio reinava perante aquela nação de vidro-fosco. Eu via em tua boca aberta a tentativa de me dizer algo, enquanto tuas palavras paravam ali, coladas naquela parede transparente e mortífera.
E o que nos restava de forte e avassalador, o olhar, nos foi também tirado por um fumê despudorado, por todos os lados. Nada mais nos certificava da presença do outro, mas nós sabíamos – com fé de punhos cerrados e olhos vigorosos – que estávamos bem perto, abraçados até.
Alguns dias depois, no entanto, percebemos uma pequena fresta milimétrica na base do vidro. Por lá começaram a brotar papéis repletos de palavras escritas com força, como carvão em parede branca, abarrotados de desejos invisíveis. Os papéis corriam por baixo daquele vidro-muro como cartas extremamente desejadas, como se olha solitário para um relógio de apartamento, esperando alguém. Elas voavam por baixo da porta, em convulsão.
Quando percebi, você estava ao meu lado, por todas as partes, em forma de papéis ao sabor do vento, jogados aos montes ao meu redor, aos meus pés, em minha cabeça e em todo meu corpo.
Um dia então te vi na frente do vidro-limite, pregando seu enorme retrato de feição vazia e olhar fugaz. Durante horas intermináveis pude te ver apenas daquele jeito seco e, com a cabeça deitada ao ombro, comecei a acreditar que você tinha se transformado naquela imagem estática e perturbadora para mim.
Angustiado tomei de ímpeto em minha mão uma outra foto tua, sorridente e cintilante e a colei com toda força sobre a outra imagem que me encarava silenciosa e devastadora. A cola escorria por todas as bordas deixando claro o sangrar daquele rio que se formava impetuoso e que a tudo inunda. Deitado ao chão passei a escrever, acompanhado agora daquele sorriso-seguro que me resguardava como cães de guarda ferozes.
Dias, semanas e meses se passaram. A barba crescia acompanhada da saudade bruta. De repente o vidro explode em minha face cansada, deixando estilhaços por todas as partes do quarto escuro e feridas abertas em meu peito, rosto e mãos. As mãos ensangüentadas não secavam jamais e tive que aprender a escrever daquele jeito, afogando palavras em mares vermelhos. Olhei para o teu lado e você não estava mais lá. Poeira, caneta e papéis me alertaram do seu sumiço. Inerte, me rendi ao visível, ao palpável. Chorei.
Mal sabia eu que você tinha deixado carne e osso e havia se tornado palavra e papel. As gotas que escorriam do meu olho, pois, eram teu excesso e minha essência. O pêndulo nesse momento se quebrava para sempre com o cuco cantando satisfeito, enquanto aquele momento virava fotografia irreversível de minha alma.
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