quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Nosso mar

O que ficou para trás
O que nos resta ainda mais?

Aquela poesia vermelha
no papel amarelado
Enterrada na gaveta da família
agora escondia também
Destinos. Vencidos. Além.
Mas outros nascem fortes,
ainda bem.

Eles se foram, ela me foi
a coisa mais bonita
desses últimos anos
vividos como dia-a-dia,
bem-te-vi  raiar.

Eles revisitam, respingam
Pisam de novo,
O novo chão.
Removem poeiras,
Afastam as teias
Entre veias e coração.

Trazem bombons de caramelo,
Pérolas de açúcar e saudade.
Lembranças de bolsos fundos,
Carinhos com estampa de avião.

A boca rica de café
e o cheiro de cloro da manhã
na piscina azul e branca
emergem tempos,
em sentimentos por segundo.

E agora em estradas recapeadas
De desejos na pele de flor,
De olhos bem abertos,
De braços mais abertos

Deitados e entregues
nesse imenso asfalto de febre.
Mãos nas costas dançam leves,
tirando o peso das horas.

A ansiedade pelo tempo,
Trouxe você.
E esqueceu pelo caminho
O medo que
queriam nos impor.

Cantamos então que
Amar e mudar as coisas
mesmo sentindo dor,
nos interessam mais.

Ondas de vida


Hoje acordei já com o sol bem no meio do céu, ainda descansando da madrugada entre músicas e papéis espalhados na cama. E em plena segunda-feira com ares de domingo, ruas sem carro e o som de passarinhos imperando sobre tudo lá fora, eu escuto o jornal falando do dia da padroeira da cidade; Nossa Senhora da Assunção nas Igrejas e Iemanjá nas areias da praia.

Pego o carro e sigo sozinho ao litoral, pois o mar me chamava. Chego à Praia já no fim de tarde, o sol começando a se esconder no lado oposto ao mar, deixando aquele aspecto de azul manso no céu. Começo a andar pela praia, à procura de alguém de branco, sinal dos filhos de santo. Ando, ando, molhando meus pés na água forte da maré alta e enfim avisto uma saia de renda enfeitando as pernas de uma velha senhora. Percebendo ela ir embora, com seu ramalhete de flores brancas molhadas, sigo o caminho inverso, à procura do fim da celebração.

Aos poucos vou encontrando à beira do mar pequenas oferendas: flores brancas, estátuas, garrafas de champagne. Bons sinais. A maré alta parecia diminuir, abrindo meus caminhos. Nesse instante imaginei você caminhando ao meu lado, nossas mãos dadas. Olhares carinhosos ao mar. Ele sempre me faz lembrar você. Mais a frente um aglomerado de pessoas e batuques começam a ecoar no vento e chegam ao peito. Sorriso no rosto.

A primeira imagem que tenho é de um homem todo de branco, ajoelhado de frente ao mar, com os olhos fechados e as mãos erguidas, a sussurrar palavras ao ouvido de Iemanjá. Me junto em meio à multidão e observo a cantoria, palmas e cumprimentos, ombro à ombro. Crianças, homens, mulheres, cachorros, velhos, pessoas montadas em bicicletas e cavalos assistem à celebração.

Depois de um tempo, com o sol já escondido e o céu escurecendo, me viro ao mar. Pé molhados, respiração funda e olhos cheios da mesma água salgada. O vento nesse momento parece bater mais forte e água se inquieta, me trazendo ao corpo arrepios e boas energias. Respiro novamente fundo e volto ao circulo de tambores intensos. Tiro algumas fotos do entorno, do mar naquele momento, mas não da festa, que me parecia intocável naquele momento.

Num determinado instante a roda se abre um pouco e eu avisto uma velha senhora negra, com uma pequena e delicada criança, de poucos meses, dormindo calma em seu ombro. Enquanto dançava a velha senhora parecia embalar os sonhos daquela pequena delicadeza, que tinha o rosto mais sereno de todo o mundo. Quando a música parou um instante, a senhora se virou devagar e começou a caminhar em direção ao mar. Dois rapazes levantaram respeitosamente a grossa corda de isolamento da roda de cantoria e ela se abaixou sem deixar mover qualquer centímetro a pequena em seus braços.
Chegou à beira do mar e parou. Nesse momento eu tive à minha frente a fotos mais linda que eu poderia tirar, com qualquer câmera que tivesse às mãos. Aquela pequena cabeça recostada no ombro da mãe negra, porto-seguro forte, e olhinhos fechados como se estivera deitada nas nuvens mais aconchegantes. Nuvens de renda. A mãe também com os olhos fechados, repletos de lágrimas e força, enquanto os lábios se movimentavam rapidamente, em orações e pedidos de proteção à pequena e sua longa caminhada, direcionados à Iemanjá, rainha de todos esses mares, bonitos e revoltos.
Porém nenhuma imagem poderia chegar perto de todas as sensações que envolviam aquele momento, de tudo o que ele significava.

A intensidade e a força não poderiam ser enquadradas, nem encaixotadas, nem fixadas em papel algum. Ao invés de empunhar a câmera, a pus de volta no bolso e passei a olhar. Apenas olhar e sentir. Ele viveria dissolvido em minha memória, como as espumas naquela maré. Como um fluxo, andaria em cada poro do meu corpo com a grandeza e intensidade daquele Mar sem fim. Que horizonte algum poderia pôr limite. Ele me encarava, encantador e assustador. Cheio de segredos ao seu redor, os quais eu só poderia descobrir mergulhando de olhos fechados como o daquela criança. Com a confiança dos braços daquela senhora. E com aquelas lágrimas de dor. E de amor. Que as ondas nunca deixariam de trazer.