sábado, 25 de dezembro de 2010

Por isso




Hoje, como ontem e amanhã, te escrevi cartas com açúcar e com afeto. O carteiro as carregava entre cobranças, desejos de boas festas e cartões de crédito. Tocava a campainha e vagarosamente empurrava-as por baixo da porta. Elas deslizavam serenas e se recostavam ao pé da tua parede de azulejos azuis e brancos.

Como não obtinha respostas, alguém podia imaginar que elas se acumulavam, encharcavam-se na chuva e depois se tornavam secas e pálidas com o calor do sol. Mas não. Meu terceiro olho me apontava imagens daquela tua varanda, sempre que eu aportava em formato retangular. Você abaixava-se e ao ver aquela letra torta e feia, sorria silenciosamente. Deixava todas as propagandas na mesa da sala e me levava ao quarto. Daquele teu jeito, rasgava delicadamente cada centímetro do papel. Nesse breve momento, onde quer que eu estivesse, um vento passava e me atingia, me refrescando e acariciando. Eram os ventos que me faziam fechar os olhos.

Ouvia tudo que eu tinha pra te dizer e com uma lágrima querendo cair, levantava-se. Abria a gaveta e com força tentava enfiar-me juntos aos outros tantos eus. Abarrotada a gaveta quase suspirava ao rodar da pequena chave. O vento então se abrandava e eu abria os olhos, continuando a caminhada. Refeito, percebi então que eu queria ventos e não respostas.

Por isso, escrevia.

domingo, 21 de novembro de 2010


O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
[Manoel de Barros]

sábado, 20 de novembro de 2010


Só a alma atormentada pode trazer para a voz um
formato de pássaro. [Manoel de Barros]

sábado, 13 de novembro de 2010

Roda Gigante


Delicada, como pés de bailarina. Ao fim do espetáculo exibia apenas para si - sua mais exigente platéia - atrás das cortinas negras, os calos endurecidos e o sangue que escorria pelo calcanhar. Mal sabia que ao longe as mãos que aplaudiam mais forte aqueles passos, eram as mesmas que chegariam ao seu corpo no instante de qualquer queda. Sentado na primeira fileira, mas ainda distante dos holofotes, seu sorriso entrava em cena. Apesar de todos os tropeços e abismos, fora o primeiro a chegar e de lá nunca saiu. Permaneceu sentado ao pé do palco. Dançava junto, com olhos fechados, pois dentro do peito o espetáculo não tem fim. Segundo ato. Novos atores, novos passos. E no bolso da camisa um lenço embebido em água salgada, que aos poucos secava, tornando-se agora mais uma peça da armadura. A roda-gigante voltava a funcionar e de cima já se sentia o cheiro de café. Lá o vento é mais forte, onde nenhum concreto o impede de passar. Aquele barulho de velocidade com janela aberta deixava surdos os ouvidos para qualquer grito de aviso. Nenhuma queda o impediria de querer subir cada vez mais. Como fumaça, desfazendo-se ao sabor dos ventos, o cinza agora se confundia com imensidão azul. Saindo do túnel levanta o rosto para enfrentar a multidão. Olé.

sábado, 23 de outubro de 2010

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Retratos da Memória


“No dia que você quiser lembrar de mim, dá uma olhada no retratinho que a gente tirou junto. Eu digo isso porque tenho medo que um dia você também me esqueça.” (Dora, Central do Brasil)

Os olhos de Dorinha e de Josué enchiam-se de lágrimas, assim como o sorriso enchia-se de satisfação, fazendo tudo transbordar. Junto com os olhos deles, os meus. Aos 12 anos de idade via aquela grande aventura de uma senhora e um menino, com uma atenção sublime, propiciada pela delicadeza da professora Gorete, que exibiu para nós um dos primeiros filmes que me fez arrepiar. Era brasileiro, era uma descoberta.

Revendo tais imagens, agora elas tomam ainda mais força, pois carregam consigo um pedaço de mim. Todas aquelas sensações vem à tona, junto com muitas outras que fui acumulando ao longo das experiências latentes, expostos nas telas e pele. Elas então explodem como calafrios de boas memórias.

Agora Josué correndo atrás do ônibus, afoito, também me remetia à João acelerando sua moto atrás do ônibus de Hermila. As cartas sendo lidas por Dorinha, com suas palavras inventadas para agradar Josué, me lembram o apreço que criei por cartas e vinis. Cartola cantando ao fim, fazia surgir, para mim, um outro ponto final, marcante.

Eles se reencontram sempre no retrato que haviam tirado ao lado de Padre Cícero. Ali, naquela pequena imagem congelada, eles se tocam quando quiserem: podem tirar um ao outro de uma gaveta, do quadro na parede, assanhar a poeira dos cabelos e de repente trazê-lo para os braços, num abraço repentinamente divino.
Se imagens são palavras que nos faltaram, fotografias como essa são a melhor poesia que se pode escutar, deliciar, sentindo cada verso recitado doce ao pé do ouvido.


Outro texto perdido pelas pastas do velho computador. Foi feito no ímpeto de um arrepio, assistindo ao Canal Brasil. Escrito em 18 de abril de 2010.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Terra molhada


Homing Ship. Foto de André Kertész, 1944.

O Barco é imantado para meus olhos e cérebro de ferro. Mesmo quando durmo, ele navega, invadindo o território de sonhos. É ele quem consegue atravessar esses dois mundos e atracar no inconsciente, de forma branda. Sem que eu perceba, ele está lá me sussurrando baixo para embarcar.
Por fora é bonito e forte, mas os botes salva-vidas me alertam que a segurança não é total, como nada na vida. Nada. É que às vezes flashs ingênuos nos passam a cabeça e fazem com que nos joguemos. Faz parte do jogo. Parte.
Temos listras vermelhas e brancas por todo o corpo, como ele já demonstrava em seu nome: alvirrubro. Algumas palavras assopram em meus ouvidos dizendo para não embarcar. Quando olho pros lados apenas espelhos me cumprimentam. Reflexos que me apontam o medo, o cuidado e um passo atrás. A imagem mais forte, no entanto, parece ser da poesia que se ocupa em minha mente. Ela parece carregar um espelho espesso e mais forte, erguido em frente à minha alma.
Então viajo e se for preciso levanto as velas, retiro a âncora cravada em meu corpo e tomo o leme em minhas mãos. Com medo, mas com vento. Vento que seca o suor de minha face como leves carinhos infantis e me impulsiona para a linha azul e tênue, entre o céu e o mar. O mar bravio incita tempestades seguidas de calmarias. Se ficasse apenas na terra nenhuma das duas coisas se apresentaria. Então, por mais que o barco balançasse e subisse em ondas enormes, carregando a espinha de calafrios, a calmaria se fazia em olhares. Em dedos e cabelos. Corpo inteiro.
Estarei preparado. Se cair, ao invés de procurar, desesperado, a superfície, mergulho e abro os olhos para aquele ambiente marinho e silencioso. Lá no fundo não piso a terra, mas acaricio-a com minhas mãos. Embebida em água salgada, passada, és mais doce e tenaz.

Escrito em 14 de Julho. Encontrado e finalizado hoje, 15 de setembro.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Nos braços do tempo



Em terra estrangeira nosso dinheiro não serve para se alimentar. Mas e se já vivo há muito tempo conhecendo a terra por todos as suas entranhas, me sentindo como árvore nela plantada? Existem problemas que nem mesmo quem lá brotou pode resolver, pois essa terra também procura fertilidade. Mas de uma coisa estou certo: Caminharei por todo seu interior e meu suor pingará naquele chão. E por isso não será apenas água que a fará crescer, mas o adubo do meu sal escondido, que carrego como uma tempestade querendo furar o peito. E todos poderão ver e sentir o gosto do fruto nos braços do tempo.

domingo, 20 de junho de 2010

Doce voz ao homem-bomba



Tadeu gostava de perceber as flores que nasciam no caminho, enquanto corria. Notava mais ainda aquelas que surgiam nos mais difíceis cantos de concreto, nos lugares distantes, em viagens ou visitas. Muitas plantas bonitas, no entanto, se enfraqueciam na varanda de sua casa. Algumas murchavam como seus dedos em banhos prolongados.

Acordava todo dia e fazia um café que enfeitava todos os cômodos de aroma quente. A casa tomava alguns goles e despertava para o dia inteiro. Algumas vezes ele ligava a TV e o jornal de sempre, com as mesmas notícias inventadas, entrava em seus ouvidos e ficava pela porta da saída. Numa manhã fria resolveu trocar de canal. Na tela Madame Satã pulava em rodopios de capoeira, enfrentando as pessoas que o chamavam de negro, pobre e viado. Entrava onde não o queriam, fazia o que não devia. Dançava enfeitado em delicadeza, acariciava e cuspia. Espancado e preso, não parava, fazia arte, batia, batia. A pele de Tadeu se ouriçava e um arrepio lhe saía da alma e tomava a espinha, os braços e nuca. As palmas das mãos se batem emanando energia e os ombros dançam frente e trás num impulso instintivo. Ele precisava daquilo. Foi varrer a casa, mesmo já de paletó e gravata, e começou a juntar mais e mais sujeira. Ao fim um monte de poeira. Procurou um saco, uma caixa e não achou qualquer coisa. O tapete era enorme e cobria toda a sala de estar. Lá o lixo podia ficar.

Tadeu caminhando pela rua olhou para o relógio de pulso que apertava forte seu braço e viu que 12 minutos lhe restavam. Levantou o dedo para o primeiro motorista de ônibus que o enxergou na parada escondida pela árvore frondosa. Ao pôr a mão no bolso para pegar os centavos da passagem, os dedos se afundam em areia. Assustado ele fecha a mão e traz para perto de si. Uma areia cinza e brilhante escorria por todo seu corpo. Os bolsos repletos do pó o deixavam pesado, ainda mais aquele pequeno bolso que ficava em seu peito suado. Sem poder pagar ele desce e segue a pé, lentamente com um peso enorme e estranho. Estava gordo e cansado. Quando chega ao escritório Tadeu se despe e nu prossegue o dia. Foi difícil enfrentar todos aqueles papéis sem escudo algum, um colete à prova de balas que fosse. Mas o ponteiro conseguiu chegar até as dezessete horas, apesar da lentidão do dia.

Chegou a casa e viu o tapete da sala virar montanha. Toda uma tonelada do mesmo pó cinza se acumulava embaixo daquele veludo de marfim. Um brilho carregado que doía os olhos. O susto foi enorme, mas a diferença era que o cansaço não tinha fim. Dormiu trôpego em um sofá inclinado, com os pés no chão e a cabeça nos mais altos céus.

Acorda com um telefone que parecia gritar em seu ouvido como um machado. Era uma voz que conversava e nas entrelinhas queria um amparo. Tadeu depressa pôs uma roupa e saiu de casa na certeza de encontrar a voz em alguma casa ou qualquer esquina. Parou na banca de revistas e comprou uma carteira de cigarros vazios. Ao invés de nicotina, calafrio. Reconheceu na voz de uma bela moça aquela que o chamava ao telefone. Suas mãos se encontraram e o levaram de volta para casa. Chegando eles sentam no sofá já cinza e ele lembra que se esqueceu do fogo. Com o punho cerrado os dedos dela desabrocham um pedaço vermelho. Isqueiro. Ele pega devagar e fixa seu olhar. Ela o fita, seus olhos se abraçam e ele sente um conforto apesar de sentado no canto mais desagradável de todos. Havia poeira por todos os lados, que pouca gente via. Seu dedo desliza e a faísca nasce apesar da lentidão. Tic-tac. O cigarro acende? Explosão. A poeira virou pólvora, a sujeira solidão.

Tudo se perdeu. Foi-se acumulando, passando e ele sempre esquecendo na gaveta sua atenção. Estava lá agora estraçalhada, aos pedaços, como as outras coisas, mas que podiam ser recuperadas com muito trabalho. O estopim estava em suas mãos e toda bomba-relógio ao seu redor. Algumas vozes o alertaram, até mesmo a sua própria. Mas aquele olhar ao seu lado, intacto e doce, lhe dizia sem palavras, que estava lá sempre, não importava o que acontecesse. Bastava que ele não o implodisse. Mesmo sem nada continuaria ao seu lado direito. As contra-atitudes dependiam de suas ações. Ele conseguia perceber em uma gota que se formava, um amor inteiro que não acabava. Abraçaram-se longamente e perceberam que o tempo era curto pra refazer tudo aquilo antes de qualquer chuva, mas não existia relógio que pudesse contar o arrepio na espinha e o orvalho em canto de olho que sentiam juntos. E era nesse tempo que caminhariam. Eternas aquelas mãos, que mesmo diferentes, nasceram para abrigar-se uma na outra. E mesmo com toda aquela poeira ele sentia que sua palma podia ser estendida àquela voz doce que lhe acariciava todos os dias. Ele iria se levantar, reconstruir, correr, correr, correr, sem desistir. Afinal de contas, já havia ganhado o maior troféu de todos. Restava agora mostrar que merecia.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Invisível Armadura


Após longas batalhas como um novato ingênuo, daqueles que correm com a arma sem olhar para os lados, cheguei aos novos fronts com blindagem na alma e olhos por todo o corpo. Qualquer sopro era motivo de atenção e isso me fez cicatrizar antigas feridas. Essa racionalidade, no entanto, me construiu também muros que empatavam minha visão. Tinha que me lançar ao campo do outro para poder fazer valer a roupa que vestia e o coração que carregava. Os muros dos mais fortes passaram a me seguir como cães vira-latas, cujos olhos pediam comida e carinho.

Uma voz do lado de fora me gritava. Um grito que virava sussurro. Então como se me falasse ao ouvido, com o queixo deitado em meu ombro, escuto reconstrução. A cada passo um pedaço ao meu redor caía, deixando a mostra uma parte do meu corpo. A cada gesto da pessoa ao meu lado, minha invisibilidade se tornava mais terna. Ela continuou lá fora por dias a fio, caminhando ao meu lado, mesmo sem notícias minhas atrás daquelas paredes cegas. Mas foram por aqueles gritos mansos, que pude continuar. Pois apesar de tudo não havia teto que me impedisse de ver aquele céu que as palavras me apontavam. O azul sempre esteve lá como ela. O cheiro de girassol com o rosto para cima inundava aquele quarteirão. O tempo, sem relógios nem pêndulos, passava e voltava ao passado. Memórias iam se acumulando como as armas ao chão.

Um dia, caminhando com o olhar cansado, mas com pálpebras em riste, quando menos esperei, estava nu. A neve se espalhava por todos os lados, as nuvens cinzentas me roubavam o azul e meus pés percebiam estar na mais perigosa área da batalha. Pois foi nesse momento que me senti mais aquecido desde o primeiro tiro, o instante que tudo ao redor se azulava com lâminas vermelhas ao fim do céu e a hora que senti maior segurança desde meu primeiro choro. Mesmo sem nada, minha mão direita foi inundada por outros dedos, que se faziam dez. Eles eram minhas roupas, meus muros, minhas armas, minha comida, meu coração. Com força me apertavam e me cobriam como chuva em terra momentaneamente árida, que aos poucos revia frutos acompanhados de flores. Percebi que do lado de fora eu também tinha a oportunidade de ajudar aquelas mãos que passaram dias me esperando. Mesmo longe foi quem me fizeram pular. Voar. A partir de então podia dar tudo de mim para fazê-las felizes.

Foi aí que pude me dar conta de que não precisava de tantas armas, nem tantos olhos. Precisava de palavras, de formigas, de mãos dadas. E sem aquele imenso medo que carregava no bolso como pedras, pude então avistar outros sóis. Mesmo se às vezes me queimavam, me engrossavam a pele e a coragem. E não me escondia mais, pois ao meu lado despido estava o meu amor com um sorriso ao colo e suas mãos que nunca mais deixariam de me vestir.

sábado, 17 de abril de 2010

Avante



O tempo é senhor.
Se não chove alegria
Neva dor.
Curador. Ancora. Coração.
Nas ondas do destino
Corre ponta-lança
Que pula da redoma
E vira menino. Franzino. Albino. Ferino.
Escuta-Escuta. Conta-gota.
Destino.
Resguarda. Guarda. Aguarda,
Objetos delicados.

Pula pé direito do um ao dez.
Céu colado ao inferno
Tudo no amarelo.
Errou de passo, desequilíbrio esparso
Caiu com vento, abraço.
Faz-se mudo, aceita calor.

Mas suas mãos não param
Pedras recortam o espaço
Corpos cicatriz-corajosos
Pés impetuosos, grossos.
Pulam como se voassem.
Pois o céu é grande,
Roda, é roda-gigante.

E se o inferno adiante,
Seja pequeno, Seja Dante.
Fecho os olhos-punhos
Cerro o peito de cor
Avante, avante.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Jardins suspensos




Isquidum borogundá. Saravá meus santos das palavras incólumes. Profiro sílabas, que gaguejam de minha boca num ar de seriedade que não é meu. O silêncio da pronúncia sem respostas, a testa que franze, desafiando seu sorriso a aparecer. A face de estranheza transfere ondas que me tiram da terra em transe. Puxado pelo braço para dentro de um grande avião sem asas, que voa apesar de tudo, nos mais altos céus, desfazendo nuvens como algodão-doce em boca de criança. Alço vôo num embarque de olhos bem fechados. Íntimos passageiros. A fruta do pé, que era verde, agora se reveste de cores diferentes, e muitas pessoas já deixaram as marcas de seus dentes. Uns com força agressiva, outras com força suculenta de quem quer devorar o mundo e ao mesmo tempo deposita sensível saliva. Sensível. O pé está colorido como a mistura do céu com o sol. Não vigiarei mais os frutos como meus, pois são livres como eu, você e todos nós. Mas não deixarei de regar cotidianamente com todo afinco as raízes que se espalham ao nosso redor. Assim como cuidar de cada fruto, mão suave ao rosto, filho-amante. Ama-te. As cercas não possuem mais arames farpados, traços ao chão se apagaram, fronteiras foram cobertas com matos frondosos. O horizonte está mais aberto agora e já podemos segui-lo de mãos dadas, entregues. À sombra o descanso sensível que o novo espaço traz, vigiados apenas pelas pequenas e insignificantes flores escondidas atrás das folhas espessas. Estamos no peito um do outro, deitados e no ombro a descansar. Ao mesmo instante sentindo os pés pisando em novos caminhos, com calos que endureceram no fundo dos pés. Brasas e pedras agora lama e folhas. Por um tempo passei a tratar do jardim como quem nunca fora, correndo pelo campo, só. Muitos frutos, exaustivamente cuidados, caíam, apodreciam e encontravam nas moscas as únicas companheiras. Mas a justa medida do tempo me fez jardineiro fiel. Com as costas das mãos acaricio pétalas que conseguem nascer cada dia mais bonitas, regando meus olhos a cada fim de tarde. Os pássaros sempre sobrevoavam aquela grande árvore e de repente começaram a se multiplicar. Parecíamos estar sobre aquelas pequenas aves, voando como pipas com linhas infinitas a se cruzar. E desse cruzamento nasciam duas asas tortas, separadas em duas costas nuas. Cada um agora podia mergulhar naquele vasto azul que vestiam. Mas juntos, braços deitados como pontes em ombros nascente e poente, faziam nascer pegasus com crinas em fogo e plumas. Ardia sem se ver. Queimavam com a força que precisavam para que a espessa fumaça alcançasse o topo daquele vasto céu da boca do mar, que apenas juntos podiam alcançar.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Quando as cegonhas voam



Aquela voz ao longe lhe ampara
És cegonha em pleno vôo
No bico enrola-o em panos macios
O azul que faz nascer aos dois

Golpe duro molda face-ferro
No corner gritos altos, inflamados
reverberam em suas costas
no ouvido, impulsão para a desforra

Do outro lado ninguém além
do vento grosso a rebater
num dançar sinuoso, lado ao outro,
balanço de parque se esquivando
atinge o próprio rosto

A mão fechada desnuda, rajada
é cabelo voando, olhos fechando
saliva seca, gosto de mar bravio
na noite em serenata.

Ansiedade no quarto, na sala
o lábio parado
no pára-peito do pulo
na ponta dos pés bailarinos

[...]

doce repentino;
abraço por trás, mãos ao coração
cabeça moldada às costas
Córneas em história sem fim


não existirão olhos fechados que apaguem
nem borrem, desloquem, manchem
as imagens que pintou em mim