segunda-feira, 1 de março de 2010
Jardins suspensos
Isquidum borogundá. Saravá meus santos das palavras incólumes. Profiro sílabas, que gaguejam de minha boca num ar de seriedade que não é meu. O silêncio da pronúncia sem respostas, a testa que franze, desafiando seu sorriso a aparecer. A face de estranheza transfere ondas que me tiram da terra em transe. Puxado pelo braço para dentro de um grande avião sem asas, que voa apesar de tudo, nos mais altos céus, desfazendo nuvens como algodão-doce em boca de criança. Alço vôo num embarque de olhos bem fechados. Íntimos passageiros. A fruta do pé, que era verde, agora se reveste de cores diferentes, e muitas pessoas já deixaram as marcas de seus dentes. Uns com força agressiva, outras com força suculenta de quem quer devorar o mundo e ao mesmo tempo deposita sensível saliva. Sensível. O pé está colorido como a mistura do céu com o sol. Não vigiarei mais os frutos como meus, pois são livres como eu, você e todos nós. Mas não deixarei de regar cotidianamente com todo afinco as raízes que se espalham ao nosso redor. Assim como cuidar de cada fruto, mão suave ao rosto, filho-amante. Ama-te. As cercas não possuem mais arames farpados, traços ao chão se apagaram, fronteiras foram cobertas com matos frondosos. O horizonte está mais aberto agora e já podemos segui-lo de mãos dadas, entregues. À sombra o descanso sensível que o novo espaço traz, vigiados apenas pelas pequenas e insignificantes flores escondidas atrás das folhas espessas. Estamos no peito um do outro, deitados e no ombro a descansar. Ao mesmo instante sentindo os pés pisando em novos caminhos, com calos que endureceram no fundo dos pés. Brasas e pedras agora lama e folhas. Por um tempo passei a tratar do jardim como quem nunca fora, correndo pelo campo, só. Muitos frutos, exaustivamente cuidados, caíam, apodreciam e encontravam nas moscas as únicas companheiras. Mas a justa medida do tempo me fez jardineiro fiel. Com as costas das mãos acaricio pétalas que conseguem nascer cada dia mais bonitas, regando meus olhos a cada fim de tarde. Os pássaros sempre sobrevoavam aquela grande árvore e de repente começaram a se multiplicar. Parecíamos estar sobre aquelas pequenas aves, voando como pipas com linhas infinitas a se cruzar. E desse cruzamento nasciam duas asas tortas, separadas em duas costas nuas. Cada um agora podia mergulhar naquele vasto azul que vestiam. Mas juntos, braços deitados como pontes em ombros nascente e poente, faziam nascer pegasus com crinas em fogo e plumas. Ardia sem se ver. Queimavam com a força que precisavam para que a espessa fumaça alcançasse o topo daquele vasto céu da boca do mar, que apenas juntos podiam alcançar.
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