domingo, 25 de outubro de 2009
Latência
Eu não parei de escrever. Sinto que seria uma espécie de morte. Estive apenas vivendo meio invisível. Percebi que isto aqui é essencial pra mim e por isso, partilho um pedaço de um diário de viagem. Qualquer balbucio ou espasmo que lhes façam crer que ainda estou aqui, latente. Imagem fotográfica de um filme não revelado.
19.08.09 - Sol Maior
As mochilas estavam repletas de roupas e o corpo de ansiedades. Uma viagem sem muitos preparativos: comprara uma passagem até a metade do caminho e o resto descobriria na estrada. Sobe para o ônibus com um amigo pronto para todas as loucuras que o mundo poderia lhe reservar e mais as que ele criava. No caminho, uma manhã calma de quarta, abre Perto do Coração Selvagem de Clarice, que sempre deixa seu olhar sobre as coisas mais sensíveis. Quando lê um parágrafo que seja dela, já fecha o livro e contempla tudo de uma forma diferente, mais intensa e minuciosa. Pássaros negros surgiam pela janela, mãos abertas de aconchego e até mar em meio à paisagem do sertão.
Pois bem, quatro horas se passaram entre palavras, cochilos e música, onde nos pequenos fones Diana cantava em voz aguda aos seus ouvidos "Tudo que eu tenho meu bem é você/ sem teu carinho eu não sei viver/ volte logo meu amor", nessa sensível regravação do clássico “Everything I Own” do Bread. Fazia-o lembrar de Hermila na janela do ônibus olhando para João que a seguia na moto, do lado de fora, mas dentro de seu coração, no meio daquele sertão que se coloriu nas mãos de Karim, no Céu de Suely.
Na chegada o sol estourava as visões ao redor e fazia escorrer suor nas costas cheias de bolsas enormes, que carregavam em plena BR. As costas doíam e os dedos começaram a ser estendidos na esperança de uma carona, nem que fosse pra algum lugar onde a sombra os esperasse soprando. Resolveram seguir ao centro da cidade e o sol juntamente com as bolsas transformavam metros em quilômetros. Apesar disso, seguiram. À procura de um almoço mais barato, tempos depois acharam uma pequena casa com duas mesas postas do lado de fora. Uma senhora os explica que o prato feito custava seis reais, mas que depois de ver a tristeza e suor em seus rostos, transformam-se em fechados cinco reais. Sentaram e respiraram. A comida não era das melhores, mas a fome intuitivamente tratou de limpar o prato rapidamente.
Entre ligações conseguiram contatar uma conhecida da cidade, que os convidou para uma visita. A casa era muito longe, no entanto, e acabaram por voltar à estrada para seguir adiante, rumo ao destino final. Pararam em um restaurante na beira da rodovia e o sol pediu uma cerveja. Cada gole parecia água gelada jogada sobre brasas queimando. O Celular toca. Era a garota da cidade, dizendo que estava vindo ao encontro deles. Deixando um rastro longo de poeira, encosta ao lado do restaurante um moto-táxi. Ela chega e os convence a andar até sua casa, prometendo um banho, cama e água gelada. Foi o suficiente para pedirem a conta.
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O resto sobrevive apenas na memória, minha e de todos que atravessaram esse caminho.
Acho que o momento de terminar já se passou. Mas algo fica: Uma viagem nos recria e refaz.
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